O empresário rural exerce regularmente sua atividade econômica independentemente de sua inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis. Ainda que seja relevante para viabilizar o pedido de recuperação judicial, o registro é desnecessário para demonstrar que exerce a atividade há pelo menos dois, podendo haver comprovação por outras formas, principalmente levando-se em conta o período anterior à inscrição.
Com esse entendimento, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça deu provimento ao recurso especial ajuizado por produtor rural que, sete dias depois de fazer a inscrição no Registro Público de Empresas Mercantis, entrou com pedido de recuperação judicial, o qual foi barrado pelo Tribunal de Justiça do Mato Grosso.
O cerne da questão está na interpretação do artigo 48 da Lei 11.101/2005, que condiciona o pedido de recuperação judicial ao devedor que exerça regularmente suas atividades há mais de 2 anos. Para o TJ-MT, o produtor rural só começa a contar esse período a partir do registro na Junta Comercial. Para o STJ, não.
Com a decisão, a 3ª Turma se alinha ao entendimento da 4ª Turma do STJ, que em fevereiro decidiu da mesma forma. A controvérsia chegou a ser analisada pela 2ª Seção da corte para julgamento em recursos repetitivos, mas foi desacolhida justamente porque as turmas não haviam firmado precedente ainda. Trata-se das primeiras decisões sobre a matéria, que é altamente controvertida.
O entendimento ainda foi apontado como uma evolução jurisprudencial desde o julgamento do REsp 1.193.115, de 2013, quando a 3ª Turma estabeleceu que é indispensável a inscrição do produtor rural na Junta Comercial para que possa requerer a recuperação judicial.
Simplificação
Prevaleceu o voto do relator, ministro Marco Aurélio Bellizze, que foi acompanhado pelos ministros Moura Ribeiro, Paulo de Tarso Sanseverino e Nancy Andrighi. Para eles, a inscrição do produtor rural na Junta Comercial tem característica meramente declaratória, não servindo como marco para o início de sua atividade empresarial.
Isso porque o Código Civil, em seu artigo 970, assegura "tratamento favorecido, diferenciado e simplificado ao empresário rural e ao pequeno empresário, quanto à inscrição e aos efeitos daí decorrentes".
E o artigo 971 estabelece a inscrição na Junta Comercial como mera faculdade: ele pode requerer a inscrição, caso em que, depois de inscrito, ficará equiparado, para todos os efeitos, ao empresário sujeito a registro.
"Ainda que relevante para viabilizar o pedido de recuperação judicial, o registro é desnecessário para que demonstre sua regularidade, podendo ser comprovada por outras formas, principalmente levando-se em conta período anterior à inscrição", concluiu o ministro Bellizze.
Segundo o ministro Moura Ribeiro, se o próprio Código Civil afirma a necessidade de tratamento simplificado, parece contraditório interpretar disposição do mesmo código para criar uma exigência burocrática que torne mais complexo o desempenho da atividade do produtor rural.
Consequências graves
Ficou vencido o ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, para quem o ato do registro na Junta Comercial tem natureza constitutiva. Nesse entendimento, é só depois de efetivado que o produtor rural passa a ser empresário. E a partir daí começa a contagem de dois anos até que possa se valer da recuperação judicial.
Segundo o voto divergente, entender diferentemente levará à repentina alteração das regras de financiamento entre os agentes da cadeia produtiva do agronegócio e depõe inclusive contra a recém aprovada Lei do Agro (Lei 13.986/2020), oriunda da Medida Provisória 897/2019 e que buscou flexibilizar o acesso ao crédito, incentivar o investimento estrangeiro e proteger o credor de eventual recuperação judicial do produtor.
"A pretensão de contrair a dívida como pessoa física e pagar como pessoa jurídica em recuperação judicial põe em risco toda a estrutura de relações travadas entre os elos interdependentes da cadeia produtiva do agronegócio, pois retira a segurança que subsidia essas relações", afirmou.
"Prejudica também os demais produtores que não optaram pelo regime empresarial, especialmente os que não têm acesso ao crédito subsidiado e passarão a ser avaliados como pessoas jurídicas para o fim de concessão de empréstimo", complementou o ministro Cueva.
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